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domingo, 15 de março de 2015

Queixas vazias

Este texto tem como base a crônica “Basta de queixas”, escrita pelo psicanalista e psiquiatra Dr. Jorge Forbes. Disponível no livro de sua autoria “Você quer o que deseja?”. 
      
O livro nos coloca a refletir sobre essa e outras questões, mostra como nos questionar pode ser uma ação bastante oportuna em situações corriqueiras. Pois esclarece que a dúvida pode não ser confortável como a certeza é, mas por outro lado, ela nos auxilia a aprofundar, ampliar ou mesmo modificar as convicções que temos.

Na minha visão, o livro é bastante proveitoso. Mas irei me dedicar à crônica, pois considero que é bastante benéfica por nos incentivar a fazer uma pequena autoanálise, e consequentemente melhorarmos a forma como nos compreendemos, agimos e nos relacionamos, a partir de algo tão simples e muitas vezes habitual: a queixa.  

O texto demonstra como certas queixas que emitimos que parecem pertinentes, vistas de outra forma simplesmente não têm utilidade. Temos condutas mentais que não percebemos em nossa rotina, e assim em alguns momentos, agimos sem antes ter pensado com clareza, o que pode causar algumas consequências. Se as queixas ocorrerem assim, podem chegar a um ponto de se configurarem como verdadeiros obstáculos que nós mesmos criamos e que dificultam nosso viver.

Saliento que há no artigo distinção entre uma queixa que é legítima e uma que não é. A primeira é respaldada em reivindicações claras, originada pela busca daquilo que é justo ou coerente. Já a segunda, que foi foco deste escrito, é vazia, parcial e sem sentido, conforme veremos a seguir. É classificada como narcísica pelo autor, porque ao a expressar acreditamos que nosso ponto de vista é correto, mas podemos ter esquecido de considerar outros elementos, como opiniões divergentes, ou mesmo a real causa para que a tenhamos feito. E assim, as vezes ela não é justa.

A lamentação é bastante comum, está presente o tempo todo. Talvez porque tenhamos uma vontade inata para progredir, então o que não sai minimamente de acordo com nosso agrado, já ganha uma dimensão de incômodo forte ao ponto de motivar a expressão de descontentamento. O tema é bastante variado, qualquer pessoa, objeto ou acontecimento pode ser alvo de reclamação. O autor acrescenta que viver exige uma contínua correção de rota, pois frequentemente nos deparamos com algo novo, por vezes inesperado, surpreendente, que não corresponde aos nossos planos. É nesse momento que muitas vezes, surge uma vontade de culpar alguém ou alguma coisa, nesses casos, queixar-se pode ser então uma provável consequência.

Podemos então ter a crença de que o outro ou certas circunstâncias foram as responsáveis pelo fato que nos levou a reclamar. Forbes acrescenta que seguindo nesse processo (caso ele seja uma constante) podemos chegar ao ponto de nos convencer de que os outros estão contra nós, que o mundo não nos compreende, que nossos projetos não dão certo, mas dão sim para outras pessoas. Podemos até pensar que se não fossem os outros, nossa vida seria melhor.

Um fato é que por mais que nos esforcemos na realização dos nossos objetivos, não é sempre que vamos ter êxito, além daquilo que é de nossa responsabilidade, existem variáveis que não dependem de nós, então vez ou outra iremos nos deparar com decepções e frustrações, elas são inevitáveis. Mas se habitualmente lançamos mão de reclamações infrutíferas diante da adversidade, sem realizar um processo de introspecção, corremos o risco de desenvolver um padrão superficial e incompleto de nossas avaliações.

Enxergar defeitos nas outras pessoas é fácil, mas elas têm a mesma facilidade para encontrar defeitos em nós. Afinal, eles existem. Portanto, uma postura mais adequada se dá quando, em lugar da lamentação vazia que não leva a nada positivo, procuramos descobrir o que há em nós que pode ser aprimorado para que uma determinada situação seja aliviada, consertada ou evitada no futuro, Assim temos chances de transformar a contrariedade em uma experiência de crescimento e não apenas de dor.

Em resumo, falando em torno das reclamações, ao acontecer algum problema podemos seguir uma regra simples: ao invés de reagir de súbito com uma lamentação, podemos parar, pensar e então agir. Evitar a reação da queixa e adotar esta regra pode nos poupar tempo e nos ajudar a sermos mais eficientes e calmos frente aos percalços da vida.

Forbes discorre que em um tratamento pela psicanálise, há um momento em que percebemos que não dá mais para nos queixarmos. Não que os problemas ou dificuldades tenham sido todos superados ou finalizados, mas sim que passamos a observar que queixas sem propósito efetivamente não funcionam.

Nesse momento vemos que precisamos aceitar o movimento da vida, do que ela tem de bom e ruim. Esta postura não significa passividade, pelo contrário, ela não cria a fuga da queixa, que retira de nós a responsabilidade da nossa vida e a entrega para o acaso. Com ela nos colocamos prontos para viver efetivamente mais seguros, pois aceitamos sem medo a condição da vida ser imprevisível em muitos aspectos. Novamente, claro que tal conduta não acabará com as atribulações, mas nos auxiliará a sermos mais práticos e a encontramos soluções com recursos próprios.

Uma dificuldade quando fazemos esse tipo de queixa, acontece pelo fato de que envolvidos pelo acontecimento e pelas emoções, muitas vezes não percebemos que a motivação para o queixume é de pouca relevância. Então, como sabemos quando fazemos uma queixa conveniente ou não? Abaixo relacionei alguns pontos que acredito que podem auxiliar, mas acrescento que pode haver uma causa diferente para cada queixa diferente que fazemos. Nosso comportamento e atitudes são muitas vezes complexos demais para serem padronizados ou coletivizados. Eventualmente, pode nem haver nada que mereça muita atenção em alguma queixa ou fala, tratando-se apenas realmente de uma expressão despretensiosa, coloquial.

1º Refletimos antes de nos posicionarmos? Sem o questionamento das nossas ações dificilmente saímos dos automatismos;

2º Será que no fundo pretendemos rebaixar o outro nos mostrando superiores, para aproveitarmos de um bem-estar duvidoso?

3º Não queremos ver a real dimensão da nossa problemática, ou porque no fundo a achamos bastante difícil resolver, ou mesmo, incapazes de fazê-lo?

4º Esperarmos que os outros resolvam nossos problemas por não compreendermos que nossa situação de vida, ou a mudança dessa situação (além da realização das nossas necessidades e desejos), é em grande parte responsabilidade unicamente nossa?

Penso que estas questões são um indicativo de que adotar queixas constantemente é igual a adotarmos a ilusão como um estado de consciência.

Podemos crescer se substituímos a queixa pela ação de puxarmos a responsabilidade da nossa vida para nossas mãos, e ao invés de esperar que o acaso aconteça ao nosso favor, passamos a procurar meios de trabalharmos efetivamente a nosso favor e a favor do próximo.


No jogo do viver, a única peça que podemos mexer somos nós mesmos, e por isso, para progredir é mais viável nos colocarmos em movimento do que optar por ficar na espera.

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