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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

O que você enxerga nesta imagem?


Fui à exposição “Comciência” da artista Patricia Piccinini. Até chegar ao local (Centro Cultural Banco do Brasil) não tinha muita empolgação, sobretudo pela ideia de ver seres fantásticos criados pela genética, que conviveriam conosco em um imaginário mundo do futuro (no entanto, e fazendo um paralelo, é curioso que eu sou um grande fã dos filmes comerciais, sempre empolgado com a próxima estréia)...

Logo que cheguei, a primeira obra que vi foi a “Grande Mãe”, nesse momento tive certeza de que meu desinteresse era justificável e minha vontade de fugir de lá e ir para qualquer cinema aumentou, mas me contive. No entanto, era impossível não deixar de reparar na inegável perfeição das esculturas, tinha até uma garotinha discretamente sentada ao fundo, que somente após algum tempo notei que pertencia ao acervo, apesar de ser peluda! Aliás, fui baixando a guarda na medida em que eu não me cansava de reparar no zelo da artista (uma situação de aceitação após certo estranhamento já profetizada pelos escritos do curador na entrada do prédio), mas mesmo assim, não deixava de tentar decifrar que sentimentos misteriosos eram aqueles que passaram a me acompanhar quando entrei no CCBB e nascidos ao me deparar com a Grande Mãe.

Eram sentimentos mais incômodos do que prazerosos, talvez o resultado obtido ao ver criaturas que só faltam falar e ao lembrar da proposta de seu surgimento, um tanto fraca, na minha opinião.

Embora meus sentimentos continuassem indefinidos a artista ganhava pontos, pois meu incômodo era certamente proposital para que assim seu trabalho manifestasse a natureza da arte, nos retirando de um estado de espírito cotidiano para que algum outro tome seu lugar. E talvez seja ainda mais pertinente que surja eventualmente um estado confuso, que nos induza mais facilmente a refletir.

Quando me deparei com a peça “O Visitante Bem-Vindo” (foto) tive essa experiência provocativa: por alguns instantes imaginei que ela representava uma cena pesada, em que a criatura atacava a menina. Essa impressão persistiu até o momento em que, me aproximei dos personagens e assim pude notar um semblante de afeto mútuo em seus rostos, até para minha surpresa, pois ao longe estava certo de que o herói tinha uma expressão perversa. Somente nesse momento a presença do pavão se tornou mais clara para mim, fazendo-me atentar para a beleza e colorido de suas penas, até então ofuscadas pela minha primeira impressão.

Inicialmente conclui algo incorreto sobre o que ocorria, avaliei a intenção da criatura erroneamente e nem percebi direito o inusitado pavão, que por si é bastante chamativo (quem diria empoleirado em uma cabeceira), para logo em seguida, desconcertado, compreender melhor não só a cena, mas a mim mesmo. Achei genial!

Fiquei pensando, quantas vezes será que deixei de me aproximar de algo para avaliá-lo melhor e não guardar uma primeira impressão que pode ser errada? E talvez ainda mais significativo, diferente do que ocorreu naquela exposição, será que na vida tenho disposição ou mesmo oportunidade para me aproximar daquilo que de cara conceituo? 

E você enxerga o quê nessa imagem? Ela também revela algo sobre você?

Penso que lá vi extremos. Esculturas impecáveis, fruto de uma proposta que considerei fraca, personagens quase reais e quase todos feios (e por que seriam bonitos?), tive percepções e pensamentos simultaneamente opostos. Nesse sentido, para mim a Patricia Piccinini criou um mundo em sua imaginação distante do nosso principalmente pelo avanço tecnológico e pelos seres que habitariam nele, mas o aproximou do nosso ao nos fazer observadores do contraste que ocorre em ambos e que nos é tão familiar: a coexistência do genial e do fraco, do belo e do feio, do coerente e do incoerente, das convicções e das dúvidas.

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